Colocar o bem comum em primeiro lugar e atuar sempre que possível para promovê-lo é dever de todo cidadão responsável.
Uma reflexão sobre a Consciência Negra

Por Sérgio Eduardo Menezes Silva – Membro do CNPIR (Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial).

O Dia da Consciência Negra é celebrado no dia 20 de novembro. Será que precisamos de um dia ou de uma semana, ou ainda de outra forma temporal que faça referência à Consciência Negra? Eu queria fazer uma reflexão com você neste breve texto, de forma que você chegue às suas próprias conclusões.

Você já ouviu dizer que “faz mal chupar manga e beber leite em seguida”? Esse é um ditado em forma de crença popular que foi criado pelos chamados “donos de escravos” que, percebendo que os negros escravizados sob seu domínio estavam bebendo muito leite e buscando economizar, os assustavam com essa mentira. Criaram essa Fake News que gera efeitos psicológicos até os dias de hoje. Eu mesmo, certa vez, chupei uma manga e bebi leite em seguida; logo passei mal e, claro, associei o fato a essa “crença”. É óbvio que não foi a mistura que me fez passar mal!

Antes de continuar quero que você conheça um pouco sobre mim: meu nome é Sérgio Eduardo, tenho 42 anos, sou casado e tenho duas filhas. Tenho quatro irmãos: dois por parte de mãe e dois por parte de pai. Fui o primeiro da minha família a terminar o ensino superior (sendo o único preto da minha turma). Conclui o curso com muito sacrifício, trabalhando e estudando mesmo depois de casado (sabendo que a vida é difícil para todos… porém, para o negro, sabemos, existem desafios a mais).

Na época em que eu planejava os estudos havia possibilidades de ingressar na faculdade pública (onde não seria necessário pagar mensalidade), no entanto o curso exigia dedicação em tempo integral (dificultando ter um emprego); diante disso fiz um curso em faculdade privada.

Quero conectar isso a uma comparação de datas e tempos importantes para esta reflexão: a escravidão no Brasil começou por volta de 1530 e a abolição da escravidão ocorreu em 13 de maio de 1888. Essas datas mostram que o Brasil teve um período de escravidão de 358 anos, ao passo que, comparado ao tempo que temos desde a abolição, vivenciamos apenas 133 anos até aqui, ou seja, não vivemos nem a metade do período que tivemos de escravidão. Isso significa que, como povo negro “livre”, como sociedade onde os negros são cidadãos “livres”, que podem construir suas vidas e famílias, sonhando e lutando para realizá-los, temos pouco mais de um século.

Esta conta estabelece uma realidade sociocultural que dificulta o entendimento da sociedade ampla em relação ao racismo no país. Ainda há muito a percorrer na luta por “conscientização”. Eu mesmo já sofri racismo várias vezes. E como reação a isso resolvi agir seguindo o conselho básico da minha mãe (in memoriam): “não basta ser um negro bonito, tem que procurar ser inteligente”. Em todos os momentos da minha vida procuro crescer no conhecimento e no entendimento em diversas áreas, e estou sempre estudando e aprimorando esses estudos; dessa forma, em situações de enfrentamento do racismo, procuro agir seguindo os conselhos dela, usando a inteligência. 

Para tanto tenho a inspiração de ícones da história negra do nosso país. Tenho a inspiração nos irmãos Rebouças: Antônio Rebouças e André Rebouças. Eles foram os primeiros negros aqui a cursar uma universidade; se tornaram dois dos maiores engenheiros do século XIX, realizando excelentes obras como o Parque Nacional do Iguaçu (Paraná), a construção das docas da Alfândega e das docas D. Pedro II (Rio de Janeiro), e outras mais. E eles, com o destaque de sua inteligência, foram fundamentais para a causa abolicionista ao lado de Machado de Assis e Olavo Bilac.

Consideremos nossa realidade atual: segundo IBGE 56% da população brasileira é negra. Os negros (como categoria analítica), por sua vez, são subdivididos em 46,8% de pardos e 9,4% de pretos. Esses dados evidenciam que grande parte da população do nosso país é formada por descendentes de pessoas que foram escravizadas. Isso explica por que a maioria das pessoas que aqui vivem, num país tão grande, não tiveram oportunidades e respaldo da sociedade em geral para se estabelecerem e se desenvolverem após o período da escravidão.

Diante disso estudiosos afirmam que existe o que tem sido chamado de “racismo estrutural”, o que envolve a dificuldade com a autodeclaração (racial), bem como severos problemas sociais. Diante desse cenário é possível identificar muitos efeitos desses problemas. Problemas esses que podem ser resolvidos com a educação através da conscientização, da reflexão e da orientação à uma prática social, política e cultural de equidade, igualdade e RESPEITO.  

É necessário entender que o RACISMO é uma escolha (ruim, é lógico, mas é uma escolha) e que está presente em diversas situações do cotidiano da nossa sociedade. Infelizmente muitos continuam fazendo essa escolha de forma deliberada.

Como professor negro tenho percebido como as crianças negras ficam felizes ao se identificarem comigo. Percebo que as vezes me tratam com um carinho diferenciado por causa desta identificação racial. Ainda existe uma parcela de pessoas da nossa sociedade que não se importa com a prática do racismo – chegando até mesmo a questionar e duvidar de sua existência, de forma que não fazem nenhum esforço para que o cenário seja transformado (acredito que existem pessoas que lucram e ganham vantagens com alimentação do racismo).

Como negros brasileiros não vamos desistir da luta por uma sociedade melhor, igual, respeitosa e inclusiva. Nosso ideal de uma sociedade que pratique o respeito buscando ser exemplo ao mundo continua em foco. Eu aceitei esse desafio e convoco você também a aceitá-lo, independente da sua cor de pele ou etnia, pois assim poderemos ter um mundo melhor um dia. A mudança começa em mim e em você.

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